Ultimatum. Álvaro de Campos

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Mandato de despejo aos mandarins do mundo

Fora tu, reles e snobe plebeu

E fora tu, imperialista das sucatas

Charlatão da sinceridade

e tu, da juba socialista,

e tu, qualquer outro Ultimatum a todos eles

E a todos que sejam como eles Todos!

Monte de tijolos com pretensões a casa

Inútil luxo, megalomania triunfante

E tu, Brasil, blague de Pedro Álvares Cabral

Que nem te queria descobrir

Ultimatum a vós que confundis o humano com o popular

Que confundis tudo Vós, anarquistas deveras sinceros

Socialistas a invocar a sua qualidade de trabalhadores

Para quererem deixar de trabalhar

Sim, todos vós que representais o mundo

Homens altos

Passai por baixo do meu desprezo

Passai aristocratas de tanga de ouro

Passai Frouxos

Passai radicais do pouco Quem acredita neles?

Mandem tudo isso para casa Descascar batatas simbólicas

Fechem-me tudo isso a chave E deitem a chave fora

Sufoco de ter só isso a minha volta

Deixem-me respirar Abram todas as janelas

Abram mais janelas Do que todas as janelas que há no mundo

Nenhuma idéia grande Nenhuma corrente política

Que soe a uma idéia grão

E o mundo quer a inteligência nova

A sensibilidade nova

O mundo tem sede de que se crie

Porque aí está apodrecer a vida

Quando muito é estrume para o futuro

O que aí está não pode durar Porque não é nada

Eu da raça dos navegadores

Afirmo que não pode durar

Eu da raça dos descobridores

Desprezo o que seja menos

Que descobrir um novo mundo

Proclamo isso bem alto Braços erguidos Fitando o Atlântico

E saudando abstractamente o infinito.

“Alvaro de Campos, 1917”

 

Fonte: “Porque é Poesia” [este poema  decorreu de uma troca coletiva, em que se foram enviando e recebendo poemas por email, a que o remetente atribuiu significado; na qualidade de destinatária, também me pareceu relevante partilhá-los]

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